- Um colar.
- Podia ser um terço?
- Podia.
- Então é você quem decide. Este anjinho não é nada, mas se toco nele vira anjo mesmo, com funções de anjo. – Segurou-o com forças pelas asas. – Quais são as funções de um anjo?
(...) – Veja, Lorena, veja... Os objetos só têm sentido quando têm sentido, fora disso... Eles precisam ser olhados, manuseados. Como nós. Se ninguém me ama, viro uma coisa ainda mais triste do que essas, porque ando, falo, indo e vindo como uma sombra, vazio, vazio. É o peso de papel sem papel, o cinzeiro sem cinza, o anjo sem anjo, fico aquela adaga ali fora do peito. Para que serve uma adaga fora do peito? – perguntou e tomou a adaga entre as mãos...”
Os objetos de Lygia Fagundes Telles
Quando um objeto perde o seu uso, e depois toma outro, ele no fim das contas é qual das duas opções? Os artefatos africanos que serviam para fazer uma conexão entre o mundo dos vivos com o mundo dos mortos, sofreu este processo de ‘mutação’. Foram roubadas através do colonialismo francês e agora são chamados de arte.
Seria justo tomar um artefato tão carregado de energias e significados e torná-lo inutilizável dentro de um museu, onde será contemplado com estranheza, vergonha, repulsa ou com os ares que as artes trazem às artes?
As estátuas também morrem, filme de Chris Marker, critica essa posição francesa de roubar estes artefatos e atribuir outro sentido, ignorando o seu uso natural. O filme trás ainda o questionamento sobre o envolvimento do homem branco com o homem negro e suas relações de trocas. Trocas sadias, trocas invasivas e o racismo.
Vários pontos negativos foram levantados quando assistimos a este filme. É uma forma de imposição e exploração de quem coloniza, é um 'rebaixamento' de uma tecnologia à arte. Já que antes essas máscaras e estátuas eram usadas de fato, tinham um fim, um proposito que passa longe de um processo artístico.
Porém, quando vimos e fizemos análises sobre essa discussão, encontramos os argumentos de André Malraux autor do livro As vozes do silêncio que diz que a museologização é a segunda vida de uma estátua, uma ressurreição. Essa apropriação francesa se justifica quando as estátuas e máscaras passam a ser peças de museus.
Concordo em partes, e penso que a museologisação também é um meio de informação. Eles abrigam, cuidam e também contam a história das 'artes'. Por exemplo, se este processo de colonização não tivesse acontecido desta forma, trazendo estes artefatos e o uso deles à tona, nós sequer saberíamos da existência desses rituais, que são muito diferentes do modelo eurocêntrico que é tão disseminado no mundo.
Nós aqui não falamos da morte como eles falam, nós não tratamos nossos mortos como eles tratam. E se as pessoas não tivessem tomado conhecimento destas práticas, elas não saberiam que existe uma outra relação com a morte, muito mais tranquila, apaziguadora e menos medonha ou dramática.
É estranha essa relação, e também muito complexa. Não é justo, mas tem um potencial de conhecimento muito importante. Não sei e nem devo dizer quem está certo ou errado, qual deveria ser o modelo, como tratar ou não os mortos.
O mundo é heterogêneo e ter o conhecimento disso é o mais importante para que se respeite e seja respeitado.
O mundo é heterogêneo e ter o conhecimento disso é o mais importante para que se respeite e seja respeitado.
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